Autores: Dr. Fabrício Kleber e Acad. Luísa Stradioto Sartor
Foto de Anthony Tran em Unsplash.
No texto da semana passada abordamos a relação entre a Esclerose Múltipla (EM) e o vírus Epstein-Barr (EBV). Hoje faremos uma revisão acerca da relação entre a EM e os transtornos de ansiedade, depressão e ideações suicidas, tomando como base o artigo “Suicidal ideation, anxiety and depression in patients with multiple sclerosis”, de autoria de Carlos Bernardo Tauil do Hospital de Base de Brasília, disponível nas plataformas Scielo e Pubmed.
A EM é uma doença crônica e inflamatória que envolve o Sistema Nervoso Central (SNC) e provoca a destruição da bainha de mielina, oligodendrócitos e axônios. Trata-se de uma doença que acomete principalmente mulheres entre os 20 e os 40 anos de idade e tem como principais sintomas fadiga, alterações sensoriais e motoras, neurite óptica, diplopia, sintomas cerebelares, alterações gastrointestinais e disfunções cognitivas. Evidentemente que existe um espectro de evolução dos pacientes, ou seja, alguns pacientes possuem sintomas leves e outros sintomas mais severos no início da doença. Dependendo da gravidade e persistência dos sintomas podemos observar uma diminuição na qualidade de vida do paciente, principalmente social e profissional.
Além dos sintomas neurológicos clássicos decorrentes da ocorrência de lesões em regiões específicas do cérebro, também podemos observar a ocorrência concomitante de alguns sintomas e alterações psiquiátricas. As desordens psiquiátricas, portanto, podem ser constatadas em pacientes vítimas de EM. A depressão, por exemplo, está presente em 25% dos portadores de EM contra os 5% do restante da população mundial. Além disso, sintomas depressivos estão presentes em pelo menos 50% dos doentes. Esses sintomas estão associados a dor e fadiga causada pela doença, efeitos adversos dos medicamentos utilizados e também pela própria ocorrência do diagnóstico. A depressão pode ocorrer também devido as alterações na plasticidade neuronal e alterações nos neurotransmissores relacionadas a progressão neurodegenerativa da doença. Outros fatores que podem aumentar o risco de sintomas depressivos são a falta de opções de lazer, pobreza de relações sociais e altos níveis de estresse e cansaço. Todavia, o estudo de Tauil et al. pode observar que apesar de comum o diagnóstico de depressão e sintomas depressivos muitas vezes não era realizado.
O estudo também observou a relação entre depressão e ideias suicidas com a progressão da doença. Um estudo de Cerqueira et al. produzido com 60 pacientes com EM, demonstrou que 16% deles já manifestaram tendências suicidas em algum momento da doença. Entretanto, embora o artigo não tenha conseguido estabelecer uma correlação clara entre depressão e suicídio nos pacientes com EM, fica claro que a depressão afeta a qualidade de vida dos paciente, incluindo um risco elevado de morte devido a tendência suicida. Estas observações mostram a importância de estarmos cientes da possibilidade da ocorrência destes sintomas em pacientes com EM. Desta forma podemos realizar o diagnóstico precoce visando iniciar um tratamento adequado e diminuindo o impacto na qualidade de vida dos pacientes.
Vale ressaltarmos que o estudo abordado neste texto aponta um aumento de risco para sintomas depressivos e ansiedade em pacientes com EM quando comparado com a população em geral. No entanto, este fato não significa que todos os pacientes com EM terão estes sintomas. Conclui-se, portanto, que embora o estudo tenha limitações em termos de tamanho da amostra e análises, fica clara a importância de se investigar sintomas psiquiátricos em pacientes com EM. Estes sintomas podem estar associados com queda na qualidade de vida e risco para os pacientes. Desta forma, é fundamental que possamos estar atentos a estas alterações visando a prevenção e o tratamento precoce. Se houver a suspeita de uma doença psiquiátrica associada a EM devemos tentar buscar a avaliação precoce e multidisciplinar com Psiquiatra, Psicólogo e Neurologista. Reforçamos que se você está com algum dos sintomas dos abordados acima procure imediatamente um psiquiatra pois existem tratamentos adequados para diminuir o sofrimento e o impacto na qualidade de vida.
1. Tauil, Carlos Bernardo et al. Suicidal ideation, anxiety, and depression in patients with multiple sclerosis. Arquivos de Neuro-Psiquiatria [online]. 2018, v. 76, n. 5 [Accessed 3 February 2022] , pp. 296-301.
Publicado originalmente em 2022 na plataforma Vitallogy.